domingo, 5 de fevereiro de 2012

Vídeo 2: Os Cinco Ensinamentos de Dawa Gyaltsen



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Texto completo das legendas:

INTRODUÇÃO II


 

Para introduzir os ensinamentos quíntuplos de Dawa Gyaltsen: a visão é a mente; mente é vazio; vazio é luz clara; luz clara é união e união é grande gozo.

 

O que isso significa?

 

Basicamente, isso significa que sua visão, seja interna ou externa, particularmente aquelas visões internas, como uma visão de medo, uma visão de dor medrosa, sofrimentos relacionados ao medo, confusões relacionadas ao medo, raivas relacionadas ao medo, todas as estórias relacionadas a esse medo, se você examiná-las, todas são visões internas.

Você fecha seus olhos, estão apenas na sua cabeça. Está em sua visão. Provavelmente não há muito lá fora.

Assim, olhe para todas essas coisas em sua cabeça: essa é sua visão.

Então, se você entender verdadeiramente que essa é  sua visão interna, que está tudo em sua cabeça, então o que acontece?

Assim é como você entende que "essa visão é apenas minha mente".

Apenas minha mente criou uma visão.

Então uma segunda pergunta vem: o que é a mente?

Nesse momento, olhamos segunda parte da prática: a busca pelo que é a mente.

O que é  uma mente?

O que é minha mente?

Quem sou eu?

Como é minha mente?

De onde ela vem?

Onde ela fica?

Para onde ela está  indo?

Está  em algum lugar?

Você  procura por isso internamente, direta e claramente, sem análise. Quando você faz isso, você realiza uma experiência interna. Uma experiência interna na qual você não encontra nada!

Ao invés disso, você encontra vastidão interna, abertura interna, despertar interior.

Essa é  a experiência que você  tem.

Quando você  obtém isso, mas não encontra nenhuma mente a ser detectada, esta é a experiência da  segunda parte da prática.

Então assim a questão é, não consigo encontrar a mente.

A mente é basicamente vazia.

E de que se trata essa vacuidade?

De que se trata esse espaço?

De que se trata esse nada?

De que se trata esse ilimitado?

Assim a jornada não para aqui ao não encontrar sua mente, a jornada continua.

Portanto o terceiro passo é encontrar o que é essa vacuidade.

Esta é  a razão pela qual é  importante formular a pergunta: o que é essa vacuidade?

Porque muitas vezes, quando as pessoas buscam a mente e não encontram nada, elas caem numa armadilha niilista: "Oh, não há nada ali!”

Logo, não há nada com o que se preocupar".

A pessoa cai no niilismo, na negação e na falta de consciência na prática.

É por isso que você se pergunta: o que é essa vacuidade?

É por esse motivo se diz que "Vacuidade é  luz clara".

Assim você  faz essa pergunta e, em seguida, observa esse espaço.

Não há  nada, mas você pode estar plenamente consciente desse nada.

Você pode estar totalmente desperto nesse nada.

Você  pode estar plenamente vivo nesse nada!

Como um sol pode estar brilhando sem nuvens no céu claro nesse nada.

Assim a luz do sol é uma parte muito importante desse espaço vazio, desse céu vazio.

Você  olha para aquele céu claro e você vê a luz do sol.

Você olha através desse vácuo, através dessa abertura, você vê a consciência da mente.

É por isso que a terceira parte é chamada de "Vacuidade é  luz clara."

Assim, chegamos  à quarta parte e você diz:

"O que é  luz clara?"

Procurei a mente e não pude achar nada. É totalmente vazia.

Examinei essa vacuidade e não vejo nada. Só vejo um pouco de consciência pura.

Agora, o que é essa consciência pura?

Essa é então a  quarta pergunta: luz clara é união.

Essa é  a resposta para a quarta pergunta. Luz clara é união basicamente significa, são duas palavras, luz e clara, que ambas são união.

Clara se referindo ao aspecto da vacuidade, a luz se referindo ao aspecto da  consciência.

Sim, ela está  vazia, mas você tem que estar consciente.

Sim você  tem que estar consciente, mas sem perder a conexão com a vacuidade.

É isso que quer dizer.

Assim, luz clara é união.

É claro que a palavra  "união"  é mais usada no  Tantra,  enquanto no  Dzogchen a palavra "inseparável"  é mais utilizada.

Mas na experiência verdadeira não faz tanta diferença para nosso sentido comum.

A coisa mais importante  é que na sua experiência quando você sentir essa união, quando sentir esse estado inseparável, isso é tudo o que importa.

Assim o quarto ponto, "luz clara é união", é muito importante porque, quando as pessoas têm experiências de luz, ou as pessoas têm experiências de clareza, de qualidades, como compaixão ou amor, às vezes é possível perder a conexão com a base, com a vacuidade.

Por isso o aspecto da união é muitíssimo importante.

Assim, se há uma união, então você apenas repousa nessa experiência.

Essa é a fruição da quarta parte da prática.

A última parte é  a quinta parte da prática. Também é uma afirmação simples que diz: "União é grande gozo".

A união de vacuidade e clareza é grande gozo. Assim, grande gozo, gozo é como um despertar interno.

Como uma experiência interna, como uma alegria interna.

Claro, todos nós podemos ter experiências de alegria em nossa vida comum.

Podemos dizer: "Oh, que beleza!" ou "Estou muito feliz hoje!".

Estas alegrias não são a mesma coisa. Quando você tem a experiência de união, isso é grande gozo.

União é grande gozo.

Esse gozo é como um despertar espiritual, porque vem da percepção de uma qualidade interna, a percepção da natureza da mente.

Por isso, é como um verdadeiro despertar, um verdadeiro gozo, gozo sem esforço.

Gozo espontâneo.

Se você olhar para essa experiência, particularmente para cada experiência de que viemos falando desde o começo, trabalhando com o medo e com tudo da mente que está relacionado com o medo, as emoções negativas, dor, sofrimento e da confusão relativa ao medo, se você olha todos esses aspectos da mente, eles podem se converter nessa bem-aventurança, podem se tornar esse despertar, quando se segue essas cinco sequências principais.

Assim, uma maneira simples dizer seria, você começa com a dor ou o medo e quando percebe que essa é sua  visão,  que é uma visão; e que a visão é a mente, que a mente é vazia; que a vacuidade da mente é luz clara; que luz clara é união; então essa visão dolorosa pode se tornar um grande gozo.

Assim, a conclusão é que uma dor pode se liberar em um grande gozo.

Vídeo 1: Introdução a Os Cinco Ensinamentos de Dawa Gyaltsen

Esta é uma série de 8 vídeos de Ensinamentos Dzogchen feita pelo mestre budista tibetano Geshe Tenzin Wangyal Rinpoche, em que ele explica a essência do ensinamento do coração de Dawa Gyaltsen, um Mestre de Meditação Budista da tradição tibetana Bon, do século 8.

Estes ensinamentos são projetados para guiar o praticante à raiz de si mesmo, à experiência clara e gozosa que é a verdadeira natureza da mente.

Como é pedido pelo mestre tibetano, que as pessoas repassem este conhecimento adiante, a equipe deste site fez uma tradução da prática a partir dos ensinamentos em inglês do mestre.

Desta forma, colocaremos abaixo de cada vídeo o texto das legendas em português.

A única ressalva que fazemos aqui é pela escolha da palavra para traduzir Bliss. O mestre budista usa a palavra Bliss, sempre a mesma, para a experiência de êxtase mais alto; as legendas dos vídeos variam entre bem-aventurança, graça, êxtase, beatitude, gozo, etc, mas no original é sempre Bliss.

Assim, caro leitor ou leitora, se você prefere usar uma outra, sinta-se à vontade para isso.

Este é o link para o canal do Ligmincha Institute no Youtube.

Segue o primeiro vídeo:

 



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Vídeo 1 -   Introdução

 

Esta é a continuação dos ensinamentos no Youtube.

Sei que muitos de vocês tem seguido meus últimos ensinamentos aqui no Youtube.

Ensinamentos sobre as Sílabas-Semente do Guerreiro.

Tenho recebido vários relatos maravilhosos de muitas pessoas.

Estou muito feliz de saber disso e decidi fazer mais.

Pois isto está continuamente a beneficiar muitas pessoas e isso parece claramente uma maravilhosa, uma verdadeira ferramenta – a mídia é uma ferramenta maravilhosa, a tecnologia é uma ferramenta maravilhosa para ultrapassar as fronteiras, muitas fronteiras e somos capazes de fazer isso.

Não é preciso ir até muitas pessoas e todas essas pessoas não precisam vir até mim e ainda assim é possível comunicar alguns ensinamentos.

Estou muito feliz de estar fazendo isso.

Para àqueles que tem visto e tem realmente tentado seguir seriamente as práticas,estou muito feliz que estejam fazendo isso.

Mas se isso também é muito significativo para você, então lhe peço que faça outras pessoas saberem disso.

Basicamente tomando uma pequena iniciativa de juntar um punhado de endereços e informar outras pessoas que possam se beneficiar, seus amigos e assim por diante.

Estou pedindo especialmente àqueles de vocês  que sintam que isso lhes seja de benefício.

É assim que podemos compartilhá-lo com  mais pessoas.

Eu me sentirei maravilhado por estar pondo meu esforço e energia para fazer isso e também meus alunos estão me apoiando para  fazê-lo.

Na tradição Budista do Bön, nossa meta de vida é alcançar a liberação completa da Buditude.

A natureza búdica está em cada ser senciente.

Não apenas seres humanos, mas cada inseto e qualquer animal, todos eles tem a mesma natureza búdica.

Uma parte importante do significado dessa nossa vida é alcançar isso.

 

Assim, no Dharma, há três vias principais:

Uma é chamada de trilha da renúncia; basicamente você renuncia às suas negatividades, suas emoções negativas, seus pensamentos negativos a qualquer tempo que surjam.

Assim você aprende a controlar e a renunciar.

Esse é mais o caminho do Sutra.

 

A segunda via é a trilha da transformação, a via do Tantra.

Basicamente, não necessariamente se renuncia às coisas, se renuncia aos cinco venenos, à ignorância.

Se tenta trabalhar com esses cinco venenos e transformar essas cinco energias nas cinco sabedorias.

Basicamente, esta é a trilha da transformação.

 

E finalmente a trilha da liberação, que é a trilha do Dzogchen, que é muito mais como não renunciar aos seus cinco venenos ou às suas emoções negativas, ou não tentar trabalhar e transformar e modificar as emoções negativas.

Ao invés disso, deixá-las como elas são, onde elas estão, não as seguindo, nem elaborando sobre elas, apenas deixando tudo como está.

E quando você deixa essas emoções negativas como elas estão, elas não tem nenhum poder próprio para continuar.

O que acontece é que elas se liberam por si mesmas.

Isto é chamado de "auto-liberação".

 

A metáfora para esses três caminhos é como o exemplo do veneno de planta.

A pessoa comum não é capaz de usá-la, se comê-la, morre.

Portanto tudo que você faz é tentar renunciá-la, jogá-la fora.

Guardar num lugar em que as crianças não possam tocá-la, em que ninguém possa tocá-la.

Este é o caminho da renúncia.

Ou médicos que tenham perícia e conhecimento para transformá-la, então o médico adiciona algumas outras plantas medicinais e transforma aquele veneno num remédio e cura uma doença.

Logo, é como o caminho do Tantra, a trilha da transformação.

E o pavão come o veneno, mas o pavão não precisa renunciar a ele ou tentar mudá-lo e transformá-lo.

O pavão come o veneno tal como ele é.

O que o veneno faz ao pavão é ressaltar a cor e a beleza da vida do pavão.

Essa é a abordagem do Dzogchen.

Esses são os três principais métodos da trilha para a liberação.

Eles são todos importantes, igualmente importantes.

 

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Medo de Finalizar Relações

Um dos medos que grassam pela nossa sociedade moderna, notadamente na ocidental, é o medo de terminar relacionamentos --- sejam eles profissionais, amorosos, simples amizades ou quaisquer outros.

É muito comum que mulheres casadas com homens ingratos, traidores, desrespeitosos, violentos até, permaneçam casadas por medo de terminar o relacionamento, e todos os pretextos para manter a relação doentia parecem muito legítimos, mas raramente passam de desculpas internas para não enfrentar o medo do fim.

E com os homens também se dá o mesmo: permanecem casados com mulheres que não os atraem, que não os estimulam, que não agregam valor em suas vidas, que não são aquelas pessoas que pareciam ser no início do casamento.

Não raro estes relacionamentos se seguram nas falácias de que os filhos vão sofrer muito com a separação; que vai sair muito caro dividir o patrimônio, quando há; de que os pais não suportariam presenciar a separação do filho ou da filha; e por aí vai a mentirada.

Com os relacionamentos comerciais ou profissionais dá-se a mesma coisa.

Muitos empregados não suportam a empresa em que trabalham, passam a maior parte produtiva de seu dia fazendo algo de que não gostam (para não dizer fazendo algo que abominam), com colegas com quem não se afinam. Mas ainda assim permanecem violentando-se diariamente, criando doenças que só materializam o mal estar que o dia a dia representa.

Muitos chefes e patrões também gostariam de mandar empregados insolentes, improdutivos, desrespeitosos embora, mas apegam-se a desculpas esfarrapadas para adiar o fim do relacionamento profissional, inventando desde preocupações (legítimas ou não) com a situação da família do empregado caso ele fique desempregado, até "medos" de represálias ou retaliações públicas.

Os trabalhadores autônomos, então, que não contam com a suposta segurança do salário garantido que têm os empregados e funcionários públicos, acabam muitas vezes por aturar clientes que nem representam lucro, que causam dissabores, que não respeitam, pela ilusão de que se "perderem" um cliente vão estar em péssima situação.

Todas estas situações acima ilustram um medo comum: o medo de dar fim a um relacionamento desgastado.

As origens deste medo podem ser muitas, mas cabe a cada um investigar qual (ou quais) traumas do passado ainda permanecem vívidos o suficiente para insuflar receios muitas vezes infundados. Cabe a cada um relativizar estes momentos traumáticos, e em vez de sufocá-los (o que implica dar mais força ao medo, que então age sem nenhuma força consciente que o limite) acolher o momento como algo necessário para o seu crescimento pessoal, conscientizando-se que desde o momento traumático até o presente a pessoa já mudou muito, está mais madura, mais inteligente, mais forte, e por isso mesmo caminhando a passos largos rumo à imunidade àquele problema.

Além disso, há que se ter uma crença em alguma Verdade Profunda (seja na lógica pura, seja na Divindade do coração da pessoa, seja nas assim chamadas "Forças do Universo", etc). E essa crença vai dar à pessoa a confiança necessária para saber que ao seguir seu coração tudo vai se ajeitar, e que o transtorno de encarar a outra pessoa e --- de acordo com cada contexto --- dizer a ela para ir embora é um preço baixo a se pagar tendo em vista o benefício vindouro.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

O Medo do Sucesso

De vez em quando ouve-se por aí a expressão "medo do sucesso", que normalmente só é entendida de primeira por quem não o tem, ou já o superou.

Na verdade, como todo medo, talvez o medo não seja do sucesso propriamente dito, mas das consequências deste.

Para simplificar, vamos tomar dois exemplos hipotéticos para meditar acerca do "medo do sucesso": o sucesso profissional e sucesso nos relacionamentos. E pelo mesmo motivo de simplificar, não vamos entrar no mérito que para pessoas diferentes, conceitos diferentes de sucesso.

As pessoas que tem medo do sucesso profissional (ou das consequências do sucesso profissional) normalmente têm traços de mesquinhez, de sovinice. São pessoas que preferem ficar na mediocridade porque se fizerem sucesso e ganharem dinheiro --- aí sim vem seu verdadeiro medo --- terão que dividir o resultado de seu esforço com outros.

Talvez por ter sofrido na infância algum trauma porque lhe obrigavam a abrir mão do que era seu de direito para dar a outro que não necessariamente merecia aquele benefício.

Talvez porque tenham medo de morrer, e imaginem que compartilhando o fruto de seu sucesso venha a faltar-lhes o suficiente para sobreviver.

Talvez porque não saibam ainda que são livres e soberanas para decidir o que desejam, a cada instante de sua vida, e que não existe essa história de "ter que", a ponto de sua vontade não ser respeitada.

Da mesma forma, podemos imaginar que as pessoas que têm medo do sucesso nos relacionamentos pessoais também sofrem de mesquinhez afetiva.

Talvez sejam pessoas que na infância tenham sido privadas do amor dos pais, ou acreditaram-se assim, e na fase adulta projetam essa crença introjetada em seus relacionamentos, procurando sempre pessoas que não vão amá-las na mesma medida, ou que estejam sempre propensas a abandoná-las.

Assim, essas pessoas desenvolvem um medo profundo de ter um relacionamento saudável, porque temem o que possa acontecer depois: perder o amor de sua vida, serem abandonadas, humilhadas, roubadas no seu sentimento.

Pode ser muito fácil vencer o medo do sucesso. Basta que a pessoa tenha coragem de analisar o medo (sem ter medo do medo, por absurdo que isso possa parecer); humildade para aceitar que o medo faz parte do universo que cada indivíduo é, por isso mesmo não pode ser rechaçado sem ser antes conhecido; e honestidade para não trapacear contra si mesmo no processo de investigação do medo; e, claro, coerência para saber que ao atingir um nível de consciência mais elevado do que tinha antes a pessoa tem de passar a agir de acordo com essa nova consciência, sem achar que ser incoerente com relação à consciência alcançada seja algo pelo qual se passa impunemente.

Hipnose para Vencer o Medo

As pessoas que sofrem de paranoia, pânico, medo intenso, fobias, ou seja qual for a denominação que a ciência dê para a situação, não raro estão dispostas em algum nível a fazer o que for preciso para acabar com o medo, principalmente se a solução puder vir de um ritual, de uma pílula ou até mesmo de uma cirurgia.

Entre os muitos expedientes que a medicina tradicional encontrou para "tratar" o medo está a hipnose, que muitos pacientes e terapeutas consideram, mesmo que oficiosamente, como a "cura definitiva" do problema.

Não é.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Como vencer o medo?

Se alguém se pergunta sobre "como vencer o medo", podemos inferir que para este alguém o medo é um adversário, uma entidade abstrata (creio) contra a qual o sujeito tem de lutar.

Partindo desse pressuposto, podemos dizer que o primeiro passo para vencer o medo, assim como para vencer qualquer oponente, é conhecê-lo o melhor possível.

Só que tem um problema: as pessoas têm medo de conhecer o medo, e por isto não o conhecem realmente. Pode parecer absurdo, mas é a mais pura verdade.

O medo de conhecer o medo é um problema para quem deseja vencer o medo, porque só há uma maneira de conhecero medo: entrando nele.

Entretanto, quando a pessoa toma a resolução firme, em seu coração, de enfrentar e adentrar o medo --- o que não implica necessariamente deixar de senti-lo, longe disso --- ela está munindo-se de ferramentas que o próprio medo dá para ser vencido.

Sem querer antecipar o dever de casa de ninguém, posso dizer que minha experiência pessoal tem demonstrado que todos os medos se adiam. Quero dizer: eu não tenho medo de fazer alguma coisa, tenho medo é da consequência que tal ato possa ter, e ao olhar para esse medo da consequência surge outro medo para mais além, e assim sucessivamente.

Basicamente, os medos são originados ou no instinto de conservação ou em traumas do passado. Mesmo medos como o da solidão, o de passar apertos financeiros, ou outros "embasados" em alguma justificativa aparentemente racional comungam de uma dessas duas origens básicas.

Medos originados em traumas podem ser os mais cruéis, mas também os mais fáceis de vencer. Basta que o sujeito conscientize-se de que esta ameaça não existe mais, e que aquele momento no passado não vai mais se repetir, a não ser na mente da pessoa (aí pode ser eterno) ou se ela mesma construir o contexto para que o trauma se confirme.

Nesta categoria, dos medos originados em traumas, podemos incluir aqueles que não parecem sê-lo: medo de ficar desempregado, por exemplo. Não parece, mas é um trauma que muitas pessoas têm e por ser algo tão comum elas sequer se apercebem disso. Talvez o indivíduo nunca tenha ficado um dia na vida sem trabalho (meu caso, por exemplo), mas ainda assim ele tem medo de ficar sem os meios para viver e sustentar sua família com dignidade; este é um trauma que é reforçado diariamente, a cada hora, pelas notícias que se divulgam nos meios de comunicação em massa, pela partilha de medos e preocupações de terceiros, etc.

Já os medos originados no instinto de conservação (claro que o medo de morrer é o mais comum, mas há outros) podem ser vencidos se o sujeito conscientizar-se de que, assim como toda criatura viva na face da Terra, em algum momento ele também vai morrer. Saber-se como um ser cuja existência física vai acabar em algum momento é, acima de tudo, uma prova de consciência da condição humana.

Isto acaba levando a um outro âmbito a reflexão: o das crenças.

Não cabe a mim julgar as crenças de ninguém, e não o faço (embora não possa deixar de conjeturar sobre elas). Da mesma forma, pouco se me dá que julguem --- e principalmente que condenem --- o meu sistema de crenças. Ele me serve, e é praticamente imutável em sua essência: as adaptações que recebe no decorrer do tempo servem apenas para dar uma forma mais útil às minhas crenças, não para mudar a sua base.

A fim de vencer o medo da morte, é mister que o sujeito tenha uma crença muito sólida em algo que seja verdadeiro, ou que lhe pareça verdadeiro. Essa crença nessa Verdade Profunda, por assim dizer, é que vai dar à pessoa estabilidade, autoconfiança e energia para conhecer cada um de seus medos, mapeá-lo e seguir em frente.

Entretanto, é necessário que tudo isso esteja amarrado pelo fio da coerência, sem a qual todo esse conhecimento e esse trabalho de autoconhecimento serão meramente letra morta, conversa fiada, e em vez de vencer o medo o sujeito se deixará enrolar por ele, até ser sufocado como num ataque de jiboia.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

O MEDO DA ENTREGA

Todo ser humano nasce com um medo básico: o medo da extinção, o medo da morte. Porém, cada um desenvolve a partir desse medo básico, outros temores. Há dois temores específicos, que se entrelaçam um no outro: o medo de entregar-se ao amor e o medo de conhecer-se.

Desde Platão, há uma crença: a crença da divisão. Na sociedade grega, acreditava-se que havia existido um ser sobre-humano, um super-homem que tentara desbancar os deuses. Esse ser, era hermafrodita, pois possuía ambos os sexos. Castigado pelos deuses, esse ser foi partido em dois, homem e mulher, e desde então tem vagado pelo mundo buscando novamente ser um único corpo, uma única alma.

Assim, homens e mulheres, ao longo dos tempos, acreditaram na famosa história de encontrar sua “cara metade”, como se a falta que sentissem fosse a falta do amor de um companheiro. Encontrar esse ser que nos completa, tornou-se através da arte romântica e depois nos dias atuais, quase uma obsessão.

Porém, há quem tema esse encontro, pois o amor costuma nos revelar para nós mesmos. Eis aí, o medo que assola nossos dias: o medo da entrega. Entregar-se ao outro não significa necessariamente ter sexo com uma outra pessoa. Significa confiar segredos que não confiaríamos aos nossos amigos, significa dizermos o que pensamos e sentimos sem medo de sermos abandonados ou rejeitados, significa partilhar partes de nós mesmos que não partilharíamos com mais ninguém.

É, isso sim, ter intimidade suficiente para sermos nós mesmos, em nossa pura verdade, sem nenhuma máscara. Mas isso assusta. Porque ter intimidade com outro ser implica conhecermos muito bem a nós mesmos. E conhecer-se é um processo lento, doloroso e que demanda muita coragem. Para conhecer-se a fundo, é necessário descobrir-se falho, cheio de imperfeições e limitações, humano.

É preciso que amemos nosso lado sombrio e perverso. Que aceitemos possuir sentimentos como desconfiança, aversão, ciúme, inveja, raiva. E, tendo aceitação por essa nossa parte negra, nos aceitemos por inteiro, nos amemos em toda a nossa imperfeição. E esse é um processo muito difícil, porque no mais das vezes apresentamos aos outros e a nós mesmos, apenas os aspectos bons, dignos de serem elogiados, de nossa personalidade.

Isso porque vivemos num mundo de imagens idealizadas. Você já viu uma super modelo ter defeitos? Você já viu o ator de cinema chorar porque perdeu a mãe? O cantor de rock cheirar uma carreira de cocaína na frente da TV? O banqueiro ser preso por pedofilia? Não, você nunca viu essas imagens, porque a indústria do entretenimento e a sociedade de massas te apresentam a modelo, a atriz, o cantor e o banqueiro felizes, ricos, bonitos, perfeitos, em suma. Só você sofre, só você tem defeitos e chora por se sentir sozinho neste mundo.

Aceitar que vivemos numa sociedade que fabrica ilusões, porém, aumenta-nos o peso de termos de ser perfeitos o tempo todo. E então, face á nossa humanidade, podemos perdoar-nos por nossas fraquezas e falhas, e perdoando-nos, aceitarmo-nos tal como somos. Aceitando-nos podemos nos amar e amando-nos podemos amar a outra pessoa também. Assim, o medo do amor é na verdade o medo de si mesmo.

Portanto, amando a si mesmo podemos abrir nossos corações para que outra pessoa chegue. Uma pessoa que tem individualidade e personalidade próprias, mas que pode partilhar experiências de vida conosco, que pode partilhar visões de mundo conosco, que pode partilhar momentos de felicidade e tristeza conosco. E assim, ensinar-nos que o amor é um sentimento mais profundo.

Que o amor não se dá apenas na superfície, que para ele se realizar é necessário amarmos o todo de nós mesmos e do outro. E o TODO implica o lado bom e o lado ruim. Implica as fraquezas e as qualidades, os defeitos e a capacidade de doar-se. Implica que aceitemos a nós mesmos e ao outro por INTEIRO. Só desta maneira podemos visualizar o que há de divino em nós e no outro e assim, chegar á síntese tão sonhada pelos gregos.

E descobriremos ao final que não nos faltava nada, que estávamos preenchidos o tempo inteiro, bastava que buscássemos a nós mesmos! Bastava que nos conhecêssemos! E amássemos a nós mesmos integralmente! Alguém disse, não lembro quem, um verso assim: conhece-te a ti mesmo e conhecerás os mundos e os Deuses. Junto a este verso um outro, vindo do Mestre Jesus: ama ao próximo como a ti mesmo. Eis aí, todos os segredos revelados. Eis aí a solução de nossos medos mais profundos.

Lívia Petry