domingo, 21 de fevereiro de 2010

O MEDO DA ENTREGA

Todo ser humano nasce com um medo básico: o medo da extinção, o medo da morte. Porém, cada um desenvolve a partir desse medo básico, outros temores. Há dois temores específicos, que se entrelaçam um no outro: o medo de entregar-se ao amor e o medo de conhecer-se.

Desde Platão, há uma crença: a crença da divisão. Na sociedade grega, acreditava-se que havia existido um ser sobre-humano, um super-homem que tentara desbancar os deuses. Esse ser, era hermafrodita, pois possuía ambos os sexos. Castigado pelos deuses, esse ser foi partido em dois, homem e mulher, e desde então tem vagado pelo mundo buscando novamente ser um único corpo, uma única alma.

Assim, homens e mulheres, ao longo dos tempos, acreditaram na famosa história de encontrar sua “cara metade”, como se a falta que sentissem fosse a falta do amor de um companheiro. Encontrar esse ser que nos completa, tornou-se através da arte romântica e depois nos dias atuais, quase uma obsessão.

Porém, há quem tema esse encontro, pois o amor costuma nos revelar para nós mesmos. Eis aí, o medo que assola nossos dias: o medo da entrega. Entregar-se ao outro não significa necessariamente ter sexo com uma outra pessoa. Significa confiar segredos que não confiaríamos aos nossos amigos, significa dizermos o que pensamos e sentimos sem medo de sermos abandonados ou rejeitados, significa partilhar partes de nós mesmos que não partilharíamos com mais ninguém.

É, isso sim, ter intimidade suficiente para sermos nós mesmos, em nossa pura verdade, sem nenhuma máscara. Mas isso assusta. Porque ter intimidade com outro ser implica conhecermos muito bem a nós mesmos. E conhecer-se é um processo lento, doloroso e que demanda muita coragem. Para conhecer-se a fundo, é necessário descobrir-se falho, cheio de imperfeições e limitações, humano.

É preciso que amemos nosso lado sombrio e perverso. Que aceitemos possuir sentimentos como desconfiança, aversão, ciúme, inveja, raiva. E, tendo aceitação por essa nossa parte negra, nos aceitemos por inteiro, nos amemos em toda a nossa imperfeição. E esse é um processo muito difícil, porque no mais das vezes apresentamos aos outros e a nós mesmos, apenas os aspectos bons, dignos de serem elogiados, de nossa personalidade.

Isso porque vivemos num mundo de imagens idealizadas. Você já viu uma super modelo ter defeitos? Você já viu o ator de cinema chorar porque perdeu a mãe? O cantor de rock cheirar uma carreira de cocaína na frente da TV? O banqueiro ser preso por pedofilia? Não, você nunca viu essas imagens, porque a indústria do entretenimento e a sociedade de massas te apresentam a modelo, a atriz, o cantor e o banqueiro felizes, ricos, bonitos, perfeitos, em suma. Só você sofre, só você tem defeitos e chora por se sentir sozinho neste mundo.

Aceitar que vivemos numa sociedade que fabrica ilusões, porém, aumenta-nos o peso de termos de ser perfeitos o tempo todo. E então, face á nossa humanidade, podemos perdoar-nos por nossas fraquezas e falhas, e perdoando-nos, aceitarmo-nos tal como somos. Aceitando-nos podemos nos amar e amando-nos podemos amar a outra pessoa também. Assim, o medo do amor é na verdade o medo de si mesmo.

Portanto, amando a si mesmo podemos abrir nossos corações para que outra pessoa chegue. Uma pessoa que tem individualidade e personalidade próprias, mas que pode partilhar experiências de vida conosco, que pode partilhar visões de mundo conosco, que pode partilhar momentos de felicidade e tristeza conosco. E assim, ensinar-nos que o amor é um sentimento mais profundo.

Que o amor não se dá apenas na superfície, que para ele se realizar é necessário amarmos o todo de nós mesmos e do outro. E o TODO implica o lado bom e o lado ruim. Implica as fraquezas e as qualidades, os defeitos e a capacidade de doar-se. Implica que aceitemos a nós mesmos e ao outro por INTEIRO. Só desta maneira podemos visualizar o que há de divino em nós e no outro e assim, chegar á síntese tão sonhada pelos gregos.

E descobriremos ao final que não nos faltava nada, que estávamos preenchidos o tempo inteiro, bastava que buscássemos a nós mesmos! Bastava que nos conhecêssemos! E amássemos a nós mesmos integralmente! Alguém disse, não lembro quem, um verso assim: conhece-te a ti mesmo e conhecerás os mundos e os Deuses. Junto a este verso um outro, vindo do Mestre Jesus: ama ao próximo como a ti mesmo. Eis aí, todos os segredos revelados. Eis aí a solução de nossos medos mais profundos.

Lívia Petry