segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Sobre os medos contemporâneos

A sociedade do séc. XXI poderia bem ser descrita como a sociedade do medo. Hoje em dia, temos seguranças rondando as ruas escuras da cidade, outros tomando conta das portarias dos edifícios, temos câmeras espalhadas pelos aeroportos, lojas, shoppings, ruas, até mesmo nas lotações. Não é raro vermos um adesivo com esta frase: “Sorria, você está sendo filmado.”

Do mesmo modo vivemos sentindo-nos minimamente seguros atrás de grades, muros altos, cercas elétricas. Por que toda essa parafernália? Respondo: para um maior controle da sociedade. Mas será que realmente controlamos alguma coisa? Ou apenas vivemos assombrados pelo fantasma da violência?

A verdade é que desde o final da segunda guerra mundial, nunca mais o mundo foi o mesmo. Iniciou-se a Guerra Fria e, com ela, a necessidade de controlar até o que os cidadãos pensavam, pois o mundo era dividido em ideologias.

Com o final das utopias e o início de uma nova era do capitalismo, surgiram então os conflitos inevitáveis entre países em desenvolvimento e os países desenvolvidos, entre as civilizações do ocidente e a civilização islâmica. E novamente o mundo viu-se sob a égide do Terror, da xenofobia e do medo.

Particularmente no Brasil, a situação agravou-se com a chegada do consumo de massas, a modernização industrial e o fim da ditadura militar. A violência aliada á miséria explodiu nas grandes cidades do país. E, hoje, vivemos temerosos de guiar o carro pelas sinaleiras e sermos abordados por meninos de rua ou pior, bandidos. Hoje, temos medo de sair á rua e sermos seqüestrados, estuprados, roubados.

Mas o que gera tudo isso? O motor de todos esses medos é nossa incapacidade de ver o outro como um igual, de tratá-lo com dignidade e respeito. Se os políticos brasileiros olhassem para o povo com o sentimento de que quem vive na favela é tão humano quanto quem vive num apartamento de luxo, talvez pudessem ter mais consciência e realmente criar um Estado de Bem-Estar Social para essas pessoas.

Mas o problema da violência começa nos altos escalões do governo, que ao invés de priorizarem as ações e os projetos de melhoramento da sociedade, priorizam o próprio bolso, roubando impostos, fazendo negociatas, superfaturando obras. E então, nós, cidadãos comuns, que pagamos nossos impostos todos os anos, acabamos sentindo na pele a revolta dos excluídos e o medo gerado por ela. E assim, acabamos nos barbarizando, pois toda vez que alguém nos aborda na rua para pedir uma informação, somos tomados de susto. Sentimos alívio quando descobrimos que a pessoa só queria saber o nome de tal rua ou onde pegar tal ônibus.

O medo da barbárie contemporânea gera em nós, cidadãos, uma atitude de bárbaros também. Porque tememos o contato com o outro, com uma pessoa desconhecida, com o diferente de nós. E assim, criamos barreiras invisíveis, mas que geram na maioria das pessoas um grande sentimento de solidão. Já não conversamos mais com a garçonete que nos atende na lancheria, nem com o cobrador do ônibus, nem com a senhora que senta ao nosso lado na lotação. Fechamo-nos para as relações sociais, para o contato humano. Acabamos reféns de meia dúzia de conhecidos ou amigos com quem ousamos compartilhar um pouco de nós mesmos. E para além deles, ninguém mais. E mesmo nas relações mais íntimas, muitas vezes temos medo de nos expor, de sermos criticados, de sermos vistos por inteiro. O que sucede é que acabamos ilhados em nós mesmos, sem conseguir mostrar ao outro o quanto gostamos dele, ou o quanto somos frágeis e vulneráveis, ou o quanto certas coisas nos afetam. E como é difícil viver sendo uma fortaleza fechada em si mesma!

Mas nos tempos de hoje, muitas vezes é isso o que acontece. Por medo, terminamos sozinhos com nossas angústias, nossos traumas, sem conseguir resolver nada, sem conseguir compartilhar o que realmente é importante para nós. E pior: sem conseguir tirar daí, dos nossos problemas e fraquezas, um aprendizado para a vida. Talvez essa fosse a hora de arriscarmos a nos entregar ás relações interpessoais sem tantas barreiras, sem tantos medos. Porque quando vencemos o medo de nos abrir com o outro e geramos intimidade, descobrimos que o outro também é tão frágil e vulnerável quanto nós e então podemos amá-lo e reconhecer nele nossa própria humanidade.

Contribuição de Lívia Petry.

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